FIES: Estudante consegue substituir fiador e garantir financiamento

 

A r. sentença publicada pela imprensa oficial em 04 de abril de 2023 (PROCESSO: 1008349-62.2018.4.01.3400), estabeleceu o seguinte entendimento:

 

 

 “SENTENÇA

Cuida-se de ação que se desenvolve pelo procedimento comum ajuizada por… em face da UNIÃO, do FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – FNDE e da SOCIEDADE EDUCACIONAL UBERABENSE – UNIVERSIDADE UBERABA, CAMPUS 2 – UNIUBE, objetivando ver os réus compelidos a “reconhecer e declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da objurgada Portaria Ministerial para determinar aos réus obrigação de fazer, no sentido de aplicar o artigo 5º, VIII, § 11º, ambos da Lei nº 10.260/01, para substituir a garantia pessoal pelo FGEDUC e, com isso, evitar prejuízo à fruição de um direito subjetivo previsto na CF/88, POR OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, ARTIGOS 23, V, 193, 196, 205, 206, 208, TODOS DA CF/88, e nos normativos internos da instituição financeira, por ofensa aos princípios constitucionais já alinhavados, obrigando às autoridades requeridas (obrigação de fazer) a deferirem a solicitações de financiamento ao FIES e a formalizarem os respectivos contratos e eventuais aditamentos, sem a imposição da aludida portaria ministerial para previsão de limites financeiros na instituição de ensino para deferimento do financiamento público que visa incluir menos abastados no ensino superior viabilizando o princípio plasmado no texto constitucional (artigo 205 da CF/88) que garante direito à educação e melhorando a distribuição de profissionais de saúde pelo território pátrio (artigo 196 da CF/88)”.

Alega a autora que: a) “após aprovação no vestibular, matriculou-se no curso, e, ao requerer o Financiamento Estudantil (FIES), foi-lhe exigida à presença de FIADOR”; b) “no curso do contrato, período de utilização, o aditamento do contrato foi suspenso de forma abrupta em razão da falta de idoneidade cadastral do fiador conforme”; c) faz jus à substituição da fiança pessoal pela fiança de que trata o Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo – FGEDUC, nos termos do art. 5º, da Lei nº 10.260/2001.

O pedido liminar foi deferido, nos termos da decisão Id. Num. 5542287.

O FNDE contestou o feito à Id. Num. 6012288. Impugna o valor da causa e a gratuidade de justiça. Quanto ao mérito, defende a impossibilidade de substituição da garantia.

Em sua contestação (Id. Num. 6074108), a UNIUBE impugna o valor atribuído à causa, suscita preliminar de ilegitimidade passiva e, ao final, pugna pela improcedência dos pedidos.

A União argui preliminar de ilegitimidade passiva e de “incompetência da Justiça Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal”. Em relação ao mérito, sustenta a impossibilidade de substituição da garantia (Id. Num. 6327741).

Houve réplica (Id. Num. 30424976).

É o relatório.

DECIDO.

Não merecem acolhimento as preliminares suscitadas pelos réus.

O FNDE e a UNIUBE impugnaram o valor atribuído à causa sem todavia, apontarem, o valor que entendem ser o correto.

REJEITO, assim, esta preliminar.

De igual forma, REJEITO a impugnação à gratuidade judiciária, tendo em vista que a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita mediante simples afirmação na inicial de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo do próprio sustento e o de sua família.

Assim, a declaração juntada pela parte autora na inicial faz presumir a sua situação de miserabilidade jurídica.

REJEITO a preliminar de ilegitimidade passiva da UNIUBE, tendo em vista que há determinação de proibição de inclusão do nome da autoa nos órgão de proteção ao crédito.

REJEITO, também, a alegação de ilegitimidade do FNDE, uma vez que a superveniência da Lei nº 12.202 /2010 conferiu legitimidade passiva ao FNDE para figurar no polo passivo de ações que objetivam a regularização de contratos do FIES.

REJEITO, ainda, a arguição de ilegitimidade passiva da União. A jurisprudência já se firmou no sentido de que a “União detém legitimidade passiva ad causam para responder às ações em que se discutem aspectos relativos à concessão do FIES, porque o art. 3º da Lei 10.260/2001, que instituiu o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior – FIES, estabeleceu a competência do Ministério da Educação, órgão da Administração Pública Federal, para a gestão e regulamentação do processo seletivo para a concessão do respectivo financiamento”.

REJEITO, por fim, a preliminar de incompetência, pois deve prevalecer a previsão constitucional do foro nacional para as causas intentadas contra a União (§ 2º do art. 109 da Constituição Federal) sobre a cláusula de eleição de foro constante do contrato de financiamento estudantil.

Passo ao exame do mérito.

A parte autora firmou contrato de financiamento estudantil no âmbito do FIES  e, em razão da negativa do pedido de aditamento do contrato em razão da inidoneidade superveniente de seu fiador, pleiteou a modificação da garantia da fiança pela utilização do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo – FGEDUC.

Observa-se que a pretensão resistida tem como fundamento a Portaria Normativa nº 10/2010, do Ministério da Educação, que não permite a alteração pretendida depois de formalizado o contrato. Vejamos:

PORTARIA NORMATIVA N. 10, DE 30 DE ABRIL DE 2010.

Art. 10. Ao se inscrever no FIES o estudante deverá oferecer garantias adequadas ao financiamento.

§ 1º São admitidas as seguintes modalidades de garantia:

I – fiança convencional;

II – fiança solidária, conforme disposto no inciso II do § 7° do art. 4º da Lei n° 10.260, de 2001.

§ 2º O estudante que na contratação do FIES optar pela garantia do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo – FGEDUC, nos termos e condições previstos nesta Portaria, fica dispensado de oferecer as garantias previstas no parágrafo anterior.

(…)

§ 4° É facultado ao estudante alterar a modalidade de fiança inicialmente escolhida dentre as previstas nos incisos I e II do § 1º deste artigo até a formalização do contrato de financiamento.

Não obstante, importante transcrever também, nesse ponto, a legislação de regência à época do aditamento em questão (Lei nº 10.260/2001), na parte que interessa ao deslinde da controvérsia:

Art. 5º. Os financiamentos concedidos com recursos do FIES deverão observar o seguinte:

(…)

III – oferecimento de garantias adequadas pelo estudante financiado ou pela entidade mantenedora da instituição de ensino;

(…)

VII – comprovação de idoneidade cadastral do(s) fiador(es) na assinatura dos contratos e termos aditivos, observando o disposto no § 9º deste artigo.

VIII – possibilidade de utilização pelo estudante do Fundo de que trata o inciso III do art. 7º da Lei no 12.087, de 11 de novembro de 2009, cabendo ao Ministério da Educação dispor sobre as condições de sua ocorrência de forma exclusiva ou concomitante com as garantias previstas no inciso III.

§ 9º Para os fins do disposto no inciso III do caput deste artigo, o estudante poderá oferecer como garantias, alternativamente:

I – fiança;

II – fiança solidária, na forma do inciso II do § 7o do art. 4o desta Lei;

(…)

§ 11. A utilização exclusiva do Fundo de que trata o inciso VIII do caput para garantir operações de crédito no âmbito do Fies dispensa o estudante de oferecer as garantias previstas no § 9º deste artigo.

O Estatuto do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo – FGEDUC, por sua vez, estabelecia o seguinte:

Art. 1º. O Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo – FGEDUC, regido pelo presente Estatuto e demais disposições legais e regulamentares que lhe forem aplicáveis, terá prazo indeterminado.

(…)

§ 2º O FGEDUC tem por finalidade garantir parte do risco em operações de crédito educativo, no âmbito do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), concedidas pelos agentes financeiros mandatários do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a estudantes que atendam, alternativamente, os seguintes requisitos:

I – renda familiar mensal bruta per capita de até 1 (um) salário-mínimo e ½ (meio);

II – matriculado em curso de licenciatura;

III – bolsista parcial do Programa Universidade para Todos (ProUni) que optar por inscrição no FIES no mesmo curso em que é beneficiário da bolsa.

(…)

§ 5º Para efeitos deste Estatuto, considera-se:

I – agente operador do FIES: o FNDE, na qualidade de administrador dos ativos e passivos do FIES;

II – agente financeiro do FIES: as instituições financeiras mandatárias, autorizadas pelo FNDE a contratar operações de financiamento no âmbito do FIES.

Pois bem. A despeito da vedação imposta pelas portarias do Ministério da Educação – MEC, não há na lei qualquer dispositivo que impossibilite a alteração contratual pleiteada pela Autora.

Ressalte-se, por oportuno, que o Fundo de Financiamento Estudantil – FIES é um programa do MEC, de cunho social, que visa a financiar a graduação, em instituições particulares, de estudantes que não possuem condições de arcar com os custos, propiciando sua formação universitária.

Sob esse enfoque, verifica-se que a exigência no sentido de que a opção pelo FGEDUC somente possa ser realizada no momento da contratação do financiamento estudantil, além de não prestigiar o direito constitucional à educação, vai de encontro à própria finalidade social do FIES, que é justamente ampliar o acesso à educação superior.

Além disso, no caso, a substituição da fiança convencional da autora não representa qualquer risco ao FNDE, uma vez que o seu deferimento limita-se à possibilidade de a estudante ingressar no FGEDUC em momento posterior à celebração do contrato de financiamento estudantil. Inexiste, portanto, qualquer relativização das exigências impostas pelo FNDE.

Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. FIES. ADITAMENTO DO CONTRATO. SUBSTITUIÇÃO DA MODALIDADE DE GARANTIA CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. PORTARIAS NORMATIVAS/MEC N.10 e N.15. LEI 10.260/2011. PEDIDO DE EXONERAÇÃO DA FIANÇA FORMULADO PELO FIADOR. NECESSIDADE DE FORMULAÇÃO DE PEDIDO PELO FINANCIADO PERANTE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA QUE O FINANCIADO PROCEDA À ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. EXONERAÇÃO DE FIADOR ANTES DA EFETIVA SUBSTITUIÇÃO DO FIADOR OU MODIFICAÇÃO DA MODALIDADE DA GARANTIA. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto de decisão que indeferiu o pedido de antecipação de tutela que visava “imediata ordem para que a parte ré João Sinelmo Lima Souza de Menezes apresente junto a Instituição financeira novo fiador ou nova modalidade de fiança a do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo FGEDUC” exonerando-se a autora do contrato de fiança pactuado. 2. A Lei nº 10.260/01, que dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior, não veda a possibilidade de modificação do tipo de garantia, após a formalização do contrato de financiamento, razão pela qual a jurisprudência vem entendendo pela ilegalidade das restrições acerca do tema previstas nas Portarias Normativas n°s 10/2010 e 15/2011 (MEC), ante a extrapolação do poder regulamentar. Entende-se, assim, que não há óbice à substituição de fiador ou alteração da modalidade de garantia. Precedentes. 3. O contrato de financiamento prevê, expressamente, a possibilidade de substituição do fiador a qualquer tempo, a pedido do financiado, condicionada a substituição à anuência do agente financeiro e atendimento das exigências estabelecidas na legislação do FIES pelo novo fiador. 4. No caso dos autos, no entanto, a parte autora e agravante é o próprio fiador e visa a concessão de tutela de urgência para compelir o financiado a proceder à alteração do contrato, o que não se mostra possível, em especial em antecipação de tutela. 5. Apesar do financiado ter comparecido aos autos informando que “não se opõe” à alteração do contrato, não há comprovação de que o pedido foi efetivamente realizado perante a instituição financeira. Considerando não ser possível a exoneração de fiador antes da efetiva substituição por novo fiador ou alteração da modalidade de garantia, têm-se ausente a verossimilhança das alegações, necessária à concessão da tutela de urgência buscada. 6. Agravo de instrumento desprovido.

(AG 1008637-25.2018.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF1 – QUINTA TURMA, PJe 16/01/2020 PAG.)

PJe – ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. FUNDO DE FINANCIAMENTO AO ESTUDANTE DE ENSINO SUPERIOR – FIES. ADITAMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA MODALIDADE DE FIANÇA PELA UTILIZAÇÃO DO FUNDO DE GARANTIA DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO EDUCATIVO – FGEDUC. ALTERAÇÃO DE GARANTIA APÓS A FORMALIZAÇÃO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO TEMPORAL INSTITUÍDA POR NORMAS INFRALEGAIS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E DA IES REJEITADAS. SENTENÇA MANTIDA. 1. A União detém legitimidade passiva ad causam para responder às ações em que se discutem aspectos relativos à concessão do FIES, porque o art. 3º da Lei 10.260/2001, que instituiu o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior – FIES, estabeleceu a competência do Ministério da Educação para a gestão e regulamentação do processo seletivo para a concessão do respectivo financiamento. Preliminar rejeitada. 2. Deve ser afastada também a ilegitimidade passiva suscitada pela instituição de ensino superior, pois a adesão ao FIES e ao FGEDUC é condição para recebimento dos recursos financiados pelo programa nessa modalidade de garantia. 3. A Lei n° 10.260/01, ao dispor sobre o Programa de Financiamento Estudantil -FIES -, faculta ao aluno, vinculado a tal sistema, optar entre as modalidades de fiança solidária ou convencional ou a utilização do FGEDUC, não havendo vedação à possibilidade de modificação do tipo de garantia depois de formalizado o contrato de financiamento, sendo ilegais as restrições estabelecidas nas Portarias Normativas n°s 10/2010 e 15/2011. (AC 0000201-53.2012.4.01.3800, JUIZ FEDERAL REGINALDO MÁRCIO PEREIRA (CONV.), TRF1 – SEXTA TURMA, e-DJF1 14/09/2018) 4. Considerando o fim social do FIES, e o previsto na Lei n. 10.260/2001, que dispôs sobre a liberdade do estudante quanto ao oferecimento da modalidade de garantia adequada, afigura-se legítimo o direito da Autora ao aditamento, máxime se tendo por presente o fato de que o objetivo do sistema foi o de favorecer a obtenção do financiamento pelo estudante e não a sua obstacularização. 5. Apelações e remessa oficial a que se nega provimento.

(AC 1021386-59.2018.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL DANIELE MARANHAO COSTA, TRF1 – QUINTA TURMA, e-DJF1 17/10/2019 PAG.)

Ante o exposto, JULGO  PROCEDENTES os pedidos para determinar que os réus alterem a modalidade de garantia do FIES da autora, substituindo-o pelo Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo – FGEDUC, a partir do aditamento no 2º semestre de 2018, salvo descumprimento do requisito de renda familiar (art. 1º, §2º, I, do Estatuto do FGEDUC) ou por motivo diverso do tratado nos autos, saldando os débitos em atraso.”

A r. sentença trata de um caso em que a estudante, que havia firmado um contrato de financiamento estudantil no âmbito do FIES, teve seu pedido de aditamento do contrato negado devido à inidoneidade superveniente de seu fiador. Em razão disso, o Dr. Saulo Rodrigues pleiteou a modificação da garantia da fiança pela utilização do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo – FGEDUC.

 

A controvérsia está centrada na Portaria Normativa nº 10/2010 do Ministério da Educação, que não permite a alteração pretendida depois de formalizado o contrato. No entanto, a lei de regência à época do aditamento (Lei nº 10.260/2001) permitia a utilização exclusiva do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo – FGEDUC para garantir operações de crédito no âmbito do FIES, dispensando o estudante de oferecer as garantias previstas na lei.

 

A decisão foi favorável à parte, pois a lei de regência permite a alteração da modalidade de fiança inicialmente escolhida até a formalização do contrato de financiamento, além de permitir a utilização do FGEDUC como garantia exclusiva, dispensando as outras garantias previstas na lei. A Portaria Normativa nº 10/2010, por sua vez, não pode prevalecer sobre a lei de regência.

 

 

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